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Voltar para Renascer e Integrar o Self

Atualizado: há 4 dias


Voltei para o lugar que um dia deixei." Essa frase, aparentemente simples, carrega em si a complexidade de uma jornada. Sim, voltei para a Itália, o país que foi meu lar por 20 anos e que, há quase dois, precisei deixar. Há uma narrativa cultural que insiste que "voltar para trás" é um retrocesso, um erro, que a vida exige um olhar fixo para frente, abandonando o que ficou para trás. Contudo, minha necessidade, a minha verdade interna, era profundamente diferente.


Há quase dois anos, minha partida foi abrupta, quase um ato de sobrevivência. Fui embora às pressas, da maneira que foi possível, impulsionada por um estado de condições psicoemocionais que me consumiam naquele período. Eu estava em um ponto de esgotamento onde a mente e o corpo clamavam por um refúgio. Eu precisava de colo, da segurança da minha família, do acolhimento incondicional e da solidez das minhas raízes. A verdade inegável era que eu necessitava me reconectar com a minha essência, que se encontrava fragmentada, quase perdida em meio às demandas externas.


Sob a ótica da Psicologia Humanista, esse período representou uma crise existencial, um momento em que a hierarquia de necessidades de Maslow me impulsionava de volta às bases. Minhas necessidades de segurança e pertencimento, fundamentais para a autorrealização, estavam em xeque. O "colo" e o "acolhimento" eram mais do que um desejo; eram uma necessidade primária para restaurar a integridade do meu ser. A busca pela "essência perdida" reflete a urgência de reintegrar partes do self que haviam sido negligenciadas ou suprimidas em prol da adaptação.


A Itália, por sua vez, me deu muito, e por isso minha gratidão é imensa. Ela me recebeu de braços abertos, ofereceu-me emprego, amizades sinceras que se tornaram família, passeios que alimentaram a alma, paisagens que roubavam o fôlego, a oportunidade de aprender uma nova língua, novos costumes, uma cultura rica e uma culinária maravilhosa. Aqui, construí duas profissões e vivenciei uma relação afetiva que durou 18 anos. Claro que, em todo esse percurso, houve muitos desafios, mas também um crescimento inegável.


No entanto, a balança do dar e receber nem sempre esteve em equilíbrio. Eu também doei muito à Itália. Entreguei-me por completo, com uma intensidade que beirava a fusão, e nessa entrega, quase me perdi de mim mesma. Doei minha alegria, minha disponibilidade, minha fidelidade, meu empenho e toda a minha capacidade de adaptação. Comprometer-me com tanta seriedade com a língua, com a linguagem não-verbal, com os costumes, com o estilo de vida, com as regras e até mesmo com as crenças limitantes presentes no inconsciente coletivo italiano foi um ato de imersão profunda.


A Gestalt-terapia nos ensina sobre a fronteira de contato e a importância de manter a distinção entre o self e o ambiente. No meu caso, essa fronteira se tornou excessivamente permeável. Após 20 anos, percebi com clareza que mal sabia o que restava do meu ser brasileira, do que eu realmente gostava antes de vir para cá, e quais eram as minhas verdadeiras aspirações fora do papel de uma imigrante que faz de tudo para sobreviver e se adaptar. Essa hiperadaptação, embora funcional para a sobrevivência, levou a uma perda gradual da minha autenticidade. A energia que deveria ser direcionada para o meu crescimento pessoal foi desviada para a conformidade, gerando uma frustração acumulada que, inevitavelmente, me levou ao ponto de ruptura. O "self" se sentia desintegrado, sem um centro claro.


Foi nesse cenário que, um dia, meu relacionamento chegou ao fim. Um processo lento, que se arrastou por 3, 4 anos, onde minha resistência, apego e resiliência me fizeram lutar com todas as forças para que isso não acontecesse. Tentei até o fim, mas a realidade se impôs. Esse término foi profundamente doloroso, uma dor de quem precisa abandonar uma situação não por desejo, mas pela necessidade iminente de se salvar, de evitar uma perda total de si e consequências futuras ainda mais devastadoras. Não era uma escolha baseada em querer, mas em não ter outra opção. Eu precisava escolher a mim mesma.


Aqui, a Psicologia Humanista ressalta a autonomia e a responsabilidade pessoal. A escolha de "salvar a si mesma" é um ato de profundo autocuidado e reconhecimento da própria dignidade. É o momento em que a pessoa assume a agência sobre sua própria vida, mesmo que isso implique em dor e luto.


Voltei para o Brasil com medo. Um medo palpável de recomeçar do zero, de enfrentar não apenas o luto de uma separação (onde ainda havia amor pela pessoa), mas também o luto por ter deixado uma vida inteira que havia construído na Itália. A Gestalt-terapia fala da importância de elaborar o luto, de permitir que a experiência seja sentida plenamente para que possa ser integrada. Confesso que foi (e ainda é) muito difícil. Qualquer imigrante que já vivenciou um retorno sabe a complexidade desse processo.


No Brasil, encontrei o acolhimento e o amor incondicional da minha família e das amigas. Fiz novas amizades, permiti-me momentos de diversão e, gradualmente, fui dando início a novos projetos de vida e aspirações. Em meio a novos desafios, altos e baixos, fui elaborando meus processos internos. Essa fase de "recolhimento" e de construção de novas experiências é vital para a reorganização do campo e a formação de novas figuras (interesses, projetos) na Gestalt.


Até que, quando senti que a ferida estava, de fato, cicatrizando, resolvi voltar para a Itália. Temporariamente, sim. Precisava retornar para essa que é — e sempre será — minha segunda casa. E hoje, após 27 dias de volta, reconheço com clareza que, mais uma vez, minha intuição sobre o caminho a trilhar estava certa.


Nem sempre voltar para o lugar de onde um dia precisamos sair é um retrocesso ou uma ancoragem no passado. Muito pelo contrário, esse retorno pode ser um espelho poderoso de evolução. Ele revela o quanto, nesse período de afastamento, você evoluiu; o quanto se distanciou do que te fazia mal; o quanto está cada vez mais claro o que é aceitável ou não para você. Mostra sua capacidade de ressignificar as experiências passadas, o quanto você se fortaleceu internamente e o quanto entrou em um contato mais profundo e autêntico consigo mesma. E, principalmente, aponta o que você ainda pode trabalhar e aprimorar em sua jornada de autodescoberta contínua.




Fernanda Azevedo

Terapeuta | Counselor


Se essa crônica ressoou com você e você está atravessando algo parecido com o que eu atravessei, saiba que não precisa fazer isso sozinha. Eu posso te ajudar.


Em atendimentos online e individuais, podemos explorar os motivos por trás das suas experiências. Juntas, vamos descobrir o caminho que sua própria alma está indicando para sua evolução, realização e bem-estar.





Atenção: Texto autoral, plágio é crime.

 
 
 

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